A manchete do La Nacion, um dos mais importantes jornais argentinos, é direta e taxativa: “Mercado totalmente paralisado”. A notícias refere-se aos mercados de grãos, que começaram a semana com o resultado das eleições provinciais realizadas no último final de semana, em Buenos Aires, que impuseram uma dura derrota a Javier Milei. Os números provocaram uma imediata e agressiva reação dos mercados argentinos, uma disparada no câmbio e uma nova onda de incerteza que tomou conta dos players.
Diante disso, ainda segundo a publicação argentina, o momento tem sido marcado por um freio quase total das vendas, falta de referências claras de preços e por produtores que preferem não arriscar novos negócios, ficando mais expostos à forte volatilidade cambial.
“O mercado está completamente paralisado em termos de volumes negociados. Praticamente nenhuma venda de soja, milho e trigo. É normal que produtores e vendedores tendam a interromper ou desacelerar as decisões de venda durante períodos tão voláteis, pois, com variações bruscas do dólar, existe o risco de desempenho inferior nas vendas”, explica Juan Manuel Uberti, da corretora Grassi.
Uberti explicou ainda que diante da atual movimentação dos preços da soja na Bolsa de Chicago – que tem estado também bastante lateralizada nos últimos dias – e mais a disparada do dólar, combinada com o valor que tem sido ofertado pelo produto argentino, neste cenário é possível que quase nada – ou nada – da alta da moeda americana possa ser capturado.
“O dólar à vista atingiu o limite superior de sua faixa de flutuação, refletindo um aumento no prêmio de risco em relação à continuidade do programa econômico. Isso impactou imediatamente as negociações, com poucas ofertas de compra em um ambiente muito mais incerto e volátil do que na sexta-feira passada”, relatou Eugenio Irazuegui, da Zeni, ao La Nacion.
Os impactos no milho e no trigo são semelhantes. E em todos os mercados os sentimentos giram em torno das incertezas que o resultado das eleições do último domingo imprimiram aos mercados. Os ativos argentinos despencaram nesta segunda-feira (8) e mesmo que a elevação do câmbio possa, em algum momento, promover uma altas nos indicativos dos grão, a insegurança ainda é maior agora.
Assim, ainda segundo os especialistas argentinos, a tendência é de que a cutela continue ao menos durante esta semana, com o ritmo de negócios novos ainda bastante. As expectativas, afinal, estão agora sobre as eleições de meio de mandato, que acontecem em 26 de outubro. E sobre elas, Milei afirmou que reconhecem, ele e sua equipe, os “equívocos políticos” e que ajustes serão feitos para que resultados melhores possam ser colhidos no mês que vem.
O IMPACTO PODE SE DISSOLVER?
De outra perspectiva, todavia, a análise também é importante, segundo o que explica Sebastian Gavalda, diretor da consultoria argentina Globaltecnos. “É bastante raro o que se passou na Argentina, porque o resultado das eleições muda e não muda as coisas”, afirma, em entrevista ao Notícias Agrícolas nesta terça-feira (9). O especialista lembra que estas foram eleições para a província apenas de Buenos Aires e não eleições nacionais.
“Mas, o que aconteceu é que o presidente Milei, com suas declarações e manifestações, tomou estas eleições como mais importantes, porque na província de Buenos Aires venceu o peronismo, que é maior força opositora. Mas, até aqui nada muda em termos de números de deputados e senadores, nada. Mas, a mensagem é de que a província de Buenos Aires não está contente com o atual governo e os mercados reagiram de forma negativa porque imaginam que, em algum momento, possa voltar o governo peronista, mas em outubro há eleições nacionais, em que se elegem deputados, senadores, em todo o país, e aí sim poderá haver mais relevância”, detalha.
Até que isso aconteça e que a cena política argentina fique mais clara, a volatilidade segue alta e assim deverá continuar no país, com os investidores esperando para entender quais serãos os resultados do pleito de 26 de outubro.
“Se o resultado se repete, se o governo perde força, podemos viver mais turbulências políticas. Se o resultado for o inverso e o governo tiver uma boa eleição, o cenário pode mudar. Mas, até lá, segue a turbulência. E para o setor agropecuário é difícil extrapolar isso. Pode haver a desvalorização do peso, alguma venda de soja, milho ou trigo que algum produtor ainda tenha no disponível e não muito mais do que isso, porque depois das taxas para conter o dólar estão muito altas, o que dificulta o financiamento da safra 2025/26 e por isso o impacto destas eleições para o setor pode ser limitado”, complementa Gavalda.
O PESO DO CAMPO NAS URNAS
Líderes do agronegócio argentino se manifestaram sobre os resultados das eleições do último final de semana e o sentimento comum é de que o campo ainda não consegue mover um pleito e que os números foram reflexo da sociedade urbana e local.
“Quando as pessoas na Capital Federal falam sobre o campo, pensam no produtor, mas o interior tem suas cidades, seus negócios e sua gente. O dono do campo ou a pessoa que trabalha lá representa, na melhor das hipóteses, 10% da população em comparação com as cidades. O campo não impulsiona uma eleição, mas sim, quando o campo vai bem, porque todo o dinheiro flui para as pessoas , para as fábricas, e as cidades crescem, as cidades ficam melhores e os trabalhadores têm melhores salários. É aí que se cria uma sinergia positiva, mas não é como se o campo fosse definir uma eleição”, analisou o presidente da Sociedade Rural de Salto, Mario Coux, também ao La Nacion.
“As pessoas que votam são as pessoas que têm que pagar suas contas de luz, seus impostos, tudo, todos os dias. E agora, estamos em uma situação em que, embora a macroeconomia pareça estar melhorando, isso ainda não é palpável para o cidadão comum. As pessoas que votam são as pessoas das cidades, e ainda falta mais de um ano para que os resultados [dos cortes de impostos] sejam vistos”, complementa Coux.
Os produtores rurais argentinos têm vivido anos difíceis, ainda recuperando-se das perdas de safras em quatro anos consecutivos de seca, além de retenciones mais elevadas do que as atuais, as quais foram definitivamente reduzida pelo governo de Milei, sob a promessa de que serão extintas. “Mas não imagino que o impacto das retenciones pese nas decisões de voto da população das cidades”, afirmam os líderes do agronegócio argentino.
Embora a maioria deles considere necessários os sacrifícios que têm sido feitos pelo governo para reestabelecer a economia da Argentina, parte destas lideranças refletem em seus votos o peso que o campo vem carregando há décadas no país, em especial durante os governos kirchneristas. Há alguns meses, quando o ministro da Economia argentino Luis Caputo, celebrou as exportações melhores de setores como o metalúrgico, por exemplo, em relação ao agronegócio, foi duramente criticado por representantes do setor.
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Desta maneira, o que se conclui até o atual momento é que há, de fato, um impacto inicial sobre os mercados, a contínua volatilidade e uma contenção dos negócios por agora, porém, o impacto político efetivo para o agronegócio da Argentina poderá ser avaliado apenas depois dos resultados de 26 de outubro. Até lá, seguem as incertezas e ainda a insegurança do produtor, mas mantida sua compreensão sobre os caminhos que Milei e seu governo têm trazido à economia argentina.
Ainda nesta terça-feira (9), os futuros do farelo de soja seguem trabalhando em alta na Bolsa de Chicago, servindo como um leve suporte às cotações do grão na CBOT. A China tem estado bastante atenta aos impactos deste momento porque, como explica a Agrinvest Commodities, “a limitação da oferta da Argentina deve levar a demanda para o restante do estoques de passagem do Paraguai até a entrada da nova safra do Brasil”. Os ganhos no derivado passam de 0,5% nos principais vencimentos.