Adotado em 2010 e em vigor desde 2014, o Protocolo de Nagoia é um acordo internacional sob a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que possibilita o acesso e compartilhamento de recursos genéticos para pesquisa e desenvolvimento.
O Brasil, embora tenha assinado o protocolo em 2011, ainda não o implementou por meio de legislação nacional. Porém, em maio de 2025 sua execução no país avançou com o anúncio da criação de um grupo de trabalho interministerial para regulamentar a atuação de órgãos de governo no acompanhamento das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação que utilizam recursos genéticos da biodiversidade, assinada pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. A iniciativa discute a regulamentação dos artigos 13 e 17 do Protocolo de Nagoia sobre o acesso a recursos genéticos e repartição justa e equitativa dos benefícios derivados de sua utilização à Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgado pelo Decreto nº 11.865, de 27 de dezembro de 2023. (Acesse o tratado: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11865.htm).
Em um artigo publicado no LinkedIn, o diretor-administrativo e fundador do Coffee Consulate, Dr. Steffen Schwarz, explica que diversidade genética do café é essencial para o cultivo de variedades que resistem a doenças, toleram o calor ou que produzem perfis de sabor extraordinários. No entanto, a maioria desses materiais é conservada em bancos de germoplasma nacionais ou habitats naturais sob jurisdição soberana. E ao contrário de culturas como trigo ou arroz, o café não está incluído no Sistema Multilateral (SML) do Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais para a Alimentação e a Agricultura (ITPGRFA) da FAO, o que possibilita que o produto fique sujeito a acordos bilaterais de ABS sob o Protocolo de Nagoia.
O Conselho Nacional do Café (CNC) afrima que acompanha de perto a constante insistência para que o Brasil, por meio de cooperações entre governos ou através do Protocolo de Nagoia, passe então a fornecer acesso aos bancos de germoplasma e os resultados de pesquisa no setor cafeeiro. Por uma questão estratégica para o nosso país, a comunidade científica e todo o setor cafeeiro sempre foi contra incluir o café no Protocolo.
“O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo. Este protagonismo, conquistado com muito esforço e competência, não é fruto do acaso, mas sim da capacidade técnica, da resiliência dos nossos produtores e cooperativas e da articulação contínua entre os setores público e privado. Por isso, é com enorme preocupação que o Conselho acompanha as tentativas de inclusão da cafeicultura brasileira no Protocolo de Nagoia, o que pode abrir portas à transferência irrestrita de nosso banco de germoplasma, estudos, pesquisas e tecnologias estratégicas para países concorrentes que não enfrentam os mesmos desafios regulatórios e socioambientais do Brasil”, destaca a nota oficial divulgada pelo CNC.
Na Fazenda Santa Elisa, localizada no Instituto Agronômico de Campinas/SP, está o maior banco de germoplasma de café do Brasil, criado a partir de 1930 com a introdução de todas as variedades do grão existentes no país naquela época, e hoje considerado um dos principais do mundo. A área experimental reúne cerca de 20 mil acessos, que são plantas de diferentes tipos de café, muitos considerados raros e em extinção. “Para se ter uma ideia da força do programa de café do IAC, 90% do café plantado no Brasil são cultivares do Instituto e praticamente 70% no mundo são IAC também. Podemos dizer assim, que a cada 10 xícaras de café tomadas no mundo, todas tem a marca IAC. Todo este arsenal de cultivares foi desenvolvido graças ao nosso banco de germoplasma, constituído a partir da década de 30 e que até hoje vem sendo utilizado para o lançamento de novas cultivares com as mais diversas características, sejam agronômicas, tecnológicas, químicas ou sensoriais”, explicou o pesquisador científico na área de melhoramento genético de café e diretor do Centro de Café, Júlio Mistro.
Para o pesquisador, o risco da adesão ao protocolo é prejudicar a própria cafeicultura nacional e os anos de investimentos feitos na pesquisa cafeeira, “todas estas cultivares desenvolvidas pelo IAC tiveram anos de pesquisas e investimentos, principalmente no ponto de partida: o banco de germoplasma. Foram muitos anos que iniciamos a montagem de coleções de café, muito dinheiro e ciência na busca por germoplasma, até chegarmos a despontar no cenário internacional. O Centro de Café, na sua existência, nunca fez intercâmbio de germoplasma com outros países. O assunto é delicado, vamos aguardar o desenrolar das negociações do protocolo”, completou.
Enquanto não há uma resolução assertiva, o CNC mantém firme a posição contrária ao compartilhamento dos bancos de germoplasma, seja através do citado protocolo ou de acordos com outras entidades e organizações. “Transferir esses conhecimentos significa tirar a condição do País, continuar produzindo café, que por ser forte geradora de emprego e renda no campo. Estamos falando de um setor que gera cerca de 8,4 milhões de empregos, está presente em 17 estados, 1.983 municípios, nos quais o IDH é o mais elevado no País, 6 biomas diferentes e é um dos grandes pilares sociais e econômicos do País. A verdade é que o Brasil possui uma cafeicultura resiliente e adaptável”, reforça ainda a nota pública do CNC.