O primeiro semestre de 2025 foi mais seco e quente que o normal em boa parte do Brasil. Apesar de não chegar a afetar o abastecimento das lavouras no Centro-Oeste e no Matopiba (confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o quadro ficou aquém do ponto de vista das reservas hídricas. Pelo levantamento da Nottus, empresa especializada em inteligência de dados e consultoria meteorológica para negócios, a situação pode trazer impacto para a produção agrícola ainda este ano.
“O nível de água no subsolo e em reservatórios ficou abaixo da média histórica, o que pode ter gerado risco de quebra nas lavouras do Nordeste na transição para o segundo semestre”, afirma Alexandre Nascimento, sócio-diretor e meteorologista da Nottus. Segundo ele, o cenário faz parte de um padrão climático que aponta uma tendência de aumento na frequência de chuvas abaixo da média na região central do país nas últimas duas décadas. A bacia do rio Grande, que se estende entre Minas Gerais e São Paulo, registrou oito anos com precipitação inferior à média entre 2011 e 2023, em contraste com apenas um ano com esse comportamento de 2000 a 2010.
“Entre 2023 e o início de 2024, essa mudança no regime de chuvas foi acentuada pelo El Niño, que reduziu ainda mais as precipitações e elevou as temperaturas em um período crítico para o agronegócio”, explica Nascimento. Os efeitos deste contexto foram percebidos em alguns setores do agronegócio. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra 2023/2024 de soja sofreu uma quebra de mais de 15 milhões de toneladas em relação ao potencial estimado inicialmente. Estados como Mato Grosso, Bahia e Tocantins registraram perdas expressivas de produtividade.
A tendência reforça os alertas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que prevê aumento da frequência e intensidade das secas em regiões tropicais e subtropicais como consequência do aquecimento global. “As estiagens deixaram de ser eventos excepcionais e passaram a ser parte do novo padrão climático na região Centro-Sul”, afirma o sócio-diretor e meteorologista da Nottus.
O novo regime climático também trouxe extremos opostos. Enquanto o Sul do país enfrentou temporais e enchentes históricas, regiões como o Matopiba e o Paraná lidaram com estresse hídrico, atrasos no calendário agrícola e aumento da exposição a pragas e doenças nas lavouras. “Esses eventos compõem um retrato das mudanças climáticas em curso, com reflexos diretos na produtividade agrícola, biodiversidade e economia nacional. Ignorar tal realidade é um risco, tanto do ponto de vista ambiental quanto socioeconômico”, alerta o executivo da Nottus.
Tecnologia para enfrentar a seca – O investimento em infraestrutura hídrica tornou-se uma das principais estratégias para mitigar os efeitos da variabilidade climática. Uma das tecnologias que vêm ganhando espaço é o uso de geomembranas em reservatórios de água. “Os produtores rurais são muito suscetíveis aos impactos das estiagens e das secas em suas atividades. Contar com os reservatórios e sistemas de irrigação é como ter em mãos o poder de fazer chover em sua propriedade”, diz Pollyanna Penido, diretora Comercial da Lonax, empresa nacional especializada em lonas plásticas, geomembranas e silo-bolsas.
Ela acrescenta que o uso das geomembranas em reservatórios e sistemas de irrigação elimina, praticamente, a dependência da sazonalidade das chuvas, uma vantagem considerável, diante dos padrões irregulares de precipitação provocados pelas mudanças climáticas. “Ao contar com segurança hídrica, o produtor dispõe de maior economia operacional e previsibilidade produtiva”, acrescenta Pollyanna.
Além de mais eficiente que métodos tradicionais como a compactação do solo ou reservatórios de concreto, a geomembrana auxilia diretamente para o aumento da produtividade. A executiva conta que as vendas de geomembranas na Lonax cresceram cerca de 30% no primeiro semestre de 2025 em relação ao mesmo período do ano passado.
O uso de geomembranas na agricultura brasileira está em estágio inicial. Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), até 2024 o Brasil tinha cerca de 2,2 milhões de hectares irrigados, o que corresponde a aproximadamente 8% da área agrícola total do país. “O mercado nacional está muito aquém do que já ocorre em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália”, avalia Pollyanna. Para ela, a combinação entre inovação tecnológica e adaptação climática é um caminho inevitável. “O produtor precisa garantir segurança hídrica para manter sua competitividade. Estamos vendo na prática que o clima já mudou, e é preciso agir agora”, conclui.