O agronegócio brasileiro vive um momento de expectativa e incerteza, aponta análise técnica da ABINBIO (Associação Brasileira das indústrias de Bioinsumos). A Lei nº 15.070/2024, que institui o marco legal dos bioinsumos no país, foi sancionada em dezembro passado e representa uma mudança histórica para o setor. A lei tem potencial para revolucionar a produção agrícola nacional ao estabelecer regras claras para o desenvolvimento, produção, registro e comercialização de insumos biológicos.
Entretanto, a fase de regulamentação da nova Lei, que está em andamento, revela desafios técnicos e jurídicos que podem determinar o sucesso ou fracasso desta nova legislação, ressalta a ABINBIO.
A entidade está participando ativamente do grupo de trabalho responsável pela regulamentação da lei formado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), com reuniões quinzenais programadas até setembro de 2025.
Um dos principais pontos de atenção na regulamentação da nova legislação dos bioinsumos é a autorização para produção de insumos “on farm” – ou seja, na própria propriedade rural. Esta modalidade permite que produtores fabriquem bioinsumos para uso próprio, sem necessidade de registro no MAPA, exigindo apenas um cadastro simplificado.
Segundo Rodrigo Ribeiro de Souza, assessor jurídico da ABINBIO e autor da análise técnica, um dos maiores desafios da regulamentação é definir objetivamente o que caracteriza a definação “uso próprio”. “A lei proíbe a comercialização dos bioinsumos produzidos nas propriedades, mas não estabelece critérios claros para delimitar essa produção”, observa ele.
A regulamentação, aponta o especialista, deverá considerar fatores como quantidade de produção, tipo de bioinsumo produzido, existência de compartilhamento entre unidades produtivas, necessidade de transporte entre propriedades, compatibilidade entre área de cultivo e quantidade produzida, estrutura física e equipamentos disponíveis, além da origem dos insumos utilizados.
Controle de Qualidade e Responsabilidade Técnica
A lei estabelece que unidades de produção devem dispor “quando necessário” de equipamentos para controle de qualidade. Esta “expressão vaga” preocupa especialistas da ABINBIO, que defendem a necessidade de critérios técnicos claros para determinar quando esse controle é obrigatório. A expectativa é que a regulamentação vincule essa exigência ao tamanho da produção, considerando que operações maiores envolvem riscos proporcionalmente maiores.
“É imprescindível que a produção ‘on farm’ seja submetida a rigoroso controle de qualidade, bem como tenha supervisão de responsável técnico habilitado”, destaca Souza. A lei delega à regulamentação a decisão sobre quando será necessário acompanhamento de responsável técnico habilitado, mas especialistas alertam que a presença de profissionais qualificados é fundamental para garantir a implementação de boas práticas de fabricação e a observância das normas de segurança.
O assessor jurídico da ABINBIO enfatiza que a definição de critérios objetivos para determinar a necessidade de acompanhamento técnico deve considerar elementos como quantidade de produção, tipo de bioinsumo, existência de compartilhamento entre unidades, necessidade de transporte e estrutura física disponível.
Transporte e Risco de Comercialização Disfarçada
A autorização para transporte de bioinsumos entre unidades produtivas levanta preocupações sobre possível comercialização disfarçada. Segundo análise da ABINBIO, a regulamentação precisará estabelecer critérios rigorosos para comprovar a identidade entre unidades que compartilham produção e garantir que não haja desvio para fins comerciais.
“É necessário regulamentar o transporte não somente dos bioinsumos produzidos ‘on farm’, mas também dos insumos necessários para a realização da produção”, observa Souza. A regulamentação deve estabelecer critérios de segurança para o transporte, necessidade de comprovação de compatibilidade da área de cultivo com a quantidade produzida e exigências de registro e documentação.
Proteção à Inovação e Concorrência Justa
A nova legislação também estabelece importante proteção aos dados regulatórios, impedindo que órgãos governamentais utilizem informações de uma empresa para beneficiar terceiros por períodos que variam de 5 a 10 anos. Além disso, a lei proíbe explicitamente o uso de produtos formulados registrados como material inicial para produção “on farm”, uma prática comum no passado que prejudicava a concorrência.
“Quando um produtor rural utiliza um produto registrado como material inicial para produzir e comercializar um produto ‘on farm’, ele se beneficia indevidamente dos custos que recaem sobre a empresa responsável pelo produto original”, explica o assessor jurídico da ABINBIO. Essa medida visa proteger os investimentos em pesquisa e desenvolvimento das empresas que criam produtos inovadores.
Contudo, Souza aponta uma falha na legislação: “A nova legislação falha ao não definir claramente o conceito de ‘uso próprio’ do produto produzido/multiplicado ‘on farm’, deixando uma lacuna na regulamentação”. O especialista sugere que a melhor definição de “uso próprio” seria não apenas a proibição da comercialização do produto caseiro, mas também quaisquer frutos obtidos a partir de seu uso pelo produtor rural.
Cronograma e Expectativas do Setor
O MAPA tem prazo legal de 360 dias a partir da publicação da lei para editar os decretos e instruções normativas necessárias. Atualmente, um grupo de trabalho composto por técnicos do ministério, representantes da Embrapa e do setor produtivo realiza reuniões quinzenais para elaborar as minutas dos atos normativos. A ABINBIO seguirá participando deste grupo de trabalho, com as próximas reuniões programadas para os meses de Agosto e Setembro de 2025.
Há expectativa de consulta pública nos próximos meses, especialmente para as propostas sobre boas práticas de produção “on farm” e critérios de registro simplificado. “O setor produtivo aguarda com grande expectativa a publicação das normas, que trarão a clareza necessária para a realização de investimentos e para a expansão segura da produção e uso de bioinsumos em todo o território nacional”, observa análise da ABINBIO.
O marco legal dos bioinsumos tem potencial para transformar significativamente o agronegócio brasileiro. Produtos biológicos são considerados mais sustentáveis que agrotóxicos convencionais, podendo reduzir custos de produção e impactos ambientais. Contudo, especialistas alertam que uma regulamentação inadequada pode comprometer a segurança alimentar e a competitividade do setor.
“A produção/multiplicação ‘on farm’ está muito mais suscetível a contaminações e perda de eficácia, que comprometem a produção e expõem ao perigo a saúde dos envolvidos no processo agrícola e dos consumidores”, alerta Souza. Por isso, a regulamentação deve impor aos produtores rurais uma exigência regulatória mínima necessária para afastar os riscos inerentes da atividade.
Ignacio Moyano, vice-presidente de Desenvolvimento de Mercado da DunhamTrimmer para a América Latina, coincide com a visão da ABINBIO ao alertar para a importância da correta implementação desta legislação: “O desafio é garantir que exista não só o marco legal, mas também a capacidade técnica para fiscalizar, especialmente a produção on-farm, assegurando a confiança do mercado e a qualidade dos produtos.”
O equilíbrio entre estímulo à inovação e rigidez nos controles será decisivo para a evolução do mercado. “Se não encontrarmos esse ponto, corremos o risco de ter tecnologias que não atendam às reais necessidades do produtor. O segredo está em uma regulação transparente e funcional para todos os elos da cadeia”, conclui Ignacio Moyano.