
Nascida e criada desde cedo para trabalhar na terra, Edinelia Strasmann Ferreira, casada, mãe de 3 filhos, administra o Sítio Semear, localizado em São João Pequeno município de Colatina -ES, cuidando do cultivo de café, aipim, milho verde, cacau, tomate em estufa (em época de inverno), morango semi-hidropônico, acerola, maracujá. “O trabalho no campo sempre me direcionou. Faz meu coração bater mais forte”, afirma. Porém, por muito tempo, os filhos pequenos, que demandavam tempo e atenção, limitaram sua participação integral nos trabalhos rurais e em entidades do setor agrícola.
Atualmente, a produtora é uma das associadas da Associação Mulheres do Cacau núcleo Colatina, trabalha na feira livre, faz entrega para alimentação escolar na Cooperativa de Agricultura Familiar (COOPAF), e contribui para a produção do café “Filhas da Terra”. “Muitos ainda têm o preconceito de que trabalho de mulher vai deixar a desejar, mas é justamente o contrário. Fazemos tudo com excelência. Onde tem mulher as coisas se desenvolvem e crescem, pois temos um olhar minucioso em cada detalhe. Quando vejo uma semente que plantei em desenvolvimento. O plantar e colher corre em minhas veias. O contato direito com a terra recarrega as minhas energias. Mulher que vive no campo é Filha da Mãe Terra, que recebeu esse dom para a propagação da vida. Nada se desenvolve sem amor”, destaca a produtora.
Hoje, dia 15 de outubro, é celebrado o Dia Internacional da Mulher Rural. Instituída pela ONU em 1995, a data tem a proposta de elevar a consciência mundial sobre o papel da mulher do campo. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) reforça que as mulheres rurais são pilares do desenvolvimento sustentável, especialmente na América Latina, garantindo a produção de alimentos, liderando famílias,empreendimentos e comunidades inteiras.
Elas são cerca de 6 milhões. Administram mais de 30 milhões de hectares, o que corresponde algo em torno de 8,4% da área total ocupada pelos estabelecimentos rurais no Brasil, de acordo com estudo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em conjunto com a Embrapa e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O protagonismo da mulher no agronegócio brasileiro tem crescido nos últimos anos, decorrente da ampliação do acesso à terra, formalização de atividades e do empoderamento no meio rural.
Dados do IBGE mostram ainda que as mulheres são responsáveis por 42,4% da renda familiar rural, chegando a 51% no Nordeste, onde sua atuação é ainda mais expressiva. E demais dados só enaltecem o fortalecimento e a representatividade feminina no campo:
Mulheres dirigentes de estabelecimentos rurais: 946.075
Mulheres em codireção: 817.019
Total de mulheres dirigentes: 1.763.094
Mulheres trabalhadoras rurais ocupadas: 4,37 milhões de mulheres
Total de mulheres no campo: 6,14 milhões de mulheres
FONTE: Censo Agropecuário
Mas, esse caminho não foi, e ainda não é, nada fácil. São vários os desafios enfrentados por aquelas que desejam ocupar seu lugar no agro. Segundo Thaysa Felix, presidente das Associações Mulheres no Agro (AMA) e Sítio Escondido, o principal desafio cotidiano resulta em enfrentar a desigualdade de gênero, o acesso limitado a créditos e políticas públicas e a necessidade de equilibrar múltiplas funções em suas vidas. “Por causa do abandono de muitos homens, chefes de família, que largaram seus lares e foram trabalhar na cidade e, consequentemente, nunca mais apareceram, foi se necessitando do trabalho feminino no campo nascendo assim a mulher forte, batalhadora e guerreira, que assumiu a chefia da família, arregaçou as mangas e partiu para produzir seu sustento e de toda sua família. “, conta Thaysa.
Mesmo com tantos obstáculos, elas não deixam de lutar pelo seu espaço e sua independência. E essa luta não tem sido em vão. Entre 2023 e 2025, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) já investiu quase R$ 68 milhões em iniciativas que beneficiam diretamente as mulheres, com 16 mil quintais produtivas implementadas ou em fase de implementação em todas as regiões do país. Além disso, mais de R$ 25 milhões foram destinados à linha de crédito exclusiva para produtoras, beneficiando aproximadamente 800 mulheres. “Somos exemplos de liderança, que acreditam na melhoria contínua, que cremos que um futuro melhor nos aguarda e, para isso, estamos sempre na linha de frente, lutando e participado de todas as batalhas, com muita fé em Deus”, enaltece Thaysa, presidente da AMA.
A produtora de café na comunidade de Mato Grosso, em Rio de Contas, na Chapada Diamantina, Olívia Ramos, conta que sua relação com o campo começou muito antes de se entender como agricultora. De acordo com ela, outro grande desafio das mulheres é o de ocupar espaços de decisão, seja nas associações, cooperativas ou lideranças rurais. “Vejo um movimento lindo acontecendo. As mulheres estão ocupando seus espaços com coragem e sensibilidade, criando redes, marcas, coletivos e novos modos de viver do que a terra oferece. A gente aprendeu a transformar o cuidado, que sempre foi visto como algo pequeno, em força produtiva e social. O campo hoje tem o rosto e a voz de muitas mulheres que sonham, produzem e inspiram”, projeta.
E foi da vontade de dar nome, rosto e identidade a algo que sempre existiu nela e na comunidade em que vive, que Olívia lançou sua própria marca de café, o “Flor do Mato”. “Hoje, a roça é parte do que sou. É onde encontro sentido, sustento e beleza. O campo está mudando porque as mulheres estão mostrando que é possível produzir com cuidado, respeito à natureza e sustentabilidade valores que têm tudo a ver com o futuro da agricultura”, explica.
As vozes que TAMBÉM falam por elas
Durante a edição do GAFFFF 2025 (Global Agribusiness Festival), que ocorreu nos dias 05 e 06 de junho, foi assinado um manifesto que reforça o compromisso com a inclusão de mulheres no empreendedorismo, especialmente no agronegócio. O documento destaca a importância de abrir espaço, dar voz e promover equidade no setor que mais cresce no Brasil.
A engenheira agrônoma Sylvia Coutinho, que assinou o manifesto, reforça a importância do protagonismo feminino no agro brasileiro e a visibilidade que ações como essa dão à força da mulher no agronegócio. ” Quando eu me formei, naquela época, era muito difícil para as mulheres conseguirem uma posição executiva no agro, existia muita resistência. Mas, hoje o cenário mudou. Mulheres viraram protagonistas no agro. Este manifesto traz a seguinte visão: não há mais barreiras. Quanto mais mulheres estiverem envolvidas, mais o agro será forte”, enaltece a agrônoma.
Há 16 anos, a jornalista Lilian Munhoz atua como porta voz do agronegócio, e ressalta que, nos últimos anos, o conhecimento e a informação sobre a atuação das mulheres do agro vêm trazendo uma transformação ao protagonismo feminino no meio rural, “as mulheres do agro têm se preparado de diversas formas e são ávidas por novidades, oportunidades e crescimento. Tenho tido o prazer de trabalhar com muitas delas na última década, atuando com estratégias de comunicação e eventos, e é muito gratificante ver como o agro é formado por mulheres valentes, criativas, empreendedoras e estratégicas. E acho que temos muito a avançar ainda, já que o mundo está em constante transformação e precisamos usar a informação a nosso favor”, destaca a jornalista.