Os cafés brasileiros representam uma fatia superior a 30% do mercado cafeeiro norte-americano, sendo o principal fornecedor ao país, e os EUA respondem por 16% das exportações do produto nacional, sendo o principal destino das exportações brasileiras. Diante deste cenário, onde o café brasileiro é de suma relevância aos Estados Unidos, a decisão manter o produto fora da lista de exceções elaborada pelo governo americano pode ser considerada um “tiro no próprio pé” do mercado americano.
O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) seguirá em tratativas, junto com a National Coffee Association (NCA), com o intuito de que o produto passe a integrar a lista de exceções. “O café brasileiro é consumido por 76% do povo norte-americano. A indústria cafeeira norte-americana sustenta mais de 2,2 milhões de empregos no país, gerando mais de US$ 101 bilhões em salários, o que beneficia todos os Estados e comunidades locais. Além disso, a cada US$ 1 que os EUA importam de café, são injetados outros US$ 43 na economia americana, fazendo com que o setor movimente US$ 343 bilhões ao ano, montante que representa 1,2% do PIB dos Estados Unidos. Diante da relevância do café aos consumidores e à economia norte-americana, entendemos que se faz necessária a revisão da decisão de taxar os cafés do Brasil – ato que implicará elevação desmedida de preços e inflação, uma vez que esses tributos serão repassados à população americana no ato da compra”, completa a nota oficial divulgada pelo Cecafé.
A Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) manifesta preocupação a respeito da confirmação da taxação de 50% sobre os cafés especiais do Brasil, uma vez que essa decisão irá impactar a comunidade do café especial e os segmentos envolvidos com cafés de qualidade em todo o mundo. A Associação então reitera a necessidade de diálogo na tentativa de reverter essa taxação, de forma que sejam preservados empregos, renda e uma parceria construída ao longo de décadas entre os atores das duas nações.
Após o prazo, para entrada em vigor das tarifas , ser alterado para o dia 6 de agosto, a Associação Brasileira da Indústria de Café destaca que tempo ganho é válido, e que as negociações estão longe de serem finalizadas, ao contrário, seguem em curso. “Obviamente, sabemos da importância do mercado norte-americano para o Brasil, mas, também, temos plena consciência da relevância do café para a economia dos EUA. Seguiremos colaborando com as autoridades, confiando na diplomacia brasileira, tomando as medidas possíveis juntos aos atores envolvidos e apostando na força econômica e social do café para os EUA”, reafirma a ABIC em nota oficial.
De acordo com relatório da Hedgepoint, a taxa de 50% pode interromper o fluxo de café brasileiro para os EUA momentaneamente, e os torrefadores e exportadores americanos teriam que contar com outras origens, como Colômbia, América Central e África Oriental. “No entanto, não só a maior parte dessas origens está em sua entressafra, com oferta limitada no segundo semestre de 2025, mas os diferenciais também são maiores do que os brasileiros”, destacou ainda o documento.
Segundo pesquisadores do Cepea, em 2024, o Brasil respondeu por aproximadamente 23% do total comprado pelos EUA, a Colômbia cerca de 17%, enquanto o Vietnã contribuiu com aproximadamente 4%. No segmento do arábica, em que o Brasil também lidera os embarques aos EUA, a Colômbia, principal concorrente, permanece isenta da nova tarifação. Quanto ao robusta, o Vietnã negocia a aplicação de uma alíquota reduzida de 20%, frente aos 46% inicialmente previstos.
O Notícias Agrícolas também ouviu alguns especialistas do setor cafeeiro sobre os impactos desta taxação de 50% sobre o café. Confira:
Vicente Zotti, sócio-diretor da Pine Agronegócios
” Ainda é muito incerto se essas tarifas vão entrar ou não. Como premissa, a gente tem os embarques que ocorrerem imediatamente, até o dia 6, ou que já estão ocorrendo, ainda teriam uma isenção das tarifas. Então, pode ser que dentro dessa janela, os lobbies, tanto de lá quanto das empresas daqui, consigam incluir o café dentro da lista de isenção. Existe realmente uma esperança muito grande quanto a isso. Agora, se as tarifas entrarem, os 50% no balanço global não mudará, porque a oferta do Brasil seguirá a mesma. O que vai acontecer, provavelmente, é uma substituição da demanda por outros países, ou seja, os Estados Unidos compram muito café arábica então vão começar a comprar mais da América Central, do continente africano, contudo, em volume o café brasileiro é insubstituível. Neste cenário, vai encarecer o produto ao consumidor americano, estimo algo em torno de 8%. Já o impacto disso nos preços nas bolsas internacionais, quem está comprado no derivativo vai querer receber essa mercadoria, mas essa mercadoria não vai existir, então, isso gera um movimento altista nas bolsas, mas baixista para o produtor referente ao diferencial. A tese da Pine é que o diferencial tende a se manter fortalecido, por uma demanda resiliente da Europa. Então, pode ser que o preço em reais suba, mas é algo que a gente precisa monitorar, principalmente na semana que vem.”
Heberson Sastre, Gerente da Mesa de Operações da Minasul
“É muito cedo ainda para entender como isso vai funcionar na prática. Hoje a bolsa está subindo, o dólar está subindo, o Ibovespa está derretendo. Mas, essa taxação, a gente ainda acredita que o café vai entrar na lista de exclusão. Ninguém entendeu porque que ficou fora, então a gente acha que ele ainda vai ser incluído lá. Mas, a princípio, mesmo se manter, não dá para ter ideia de reflexo, nem no mercado externo e nem no interno. Na teoria, aumenta-se o custo nos Estados Unidos, isso diminui demanda e a tendência teórica seria os preços cairem. Ou diferenciais abrir aqui no Brasil. Mas, a gente vai ver isso ao longo dos três, quatro meses.”
Marcelo Moreira, analista de mercado da Archer Consulting
“Como a nova tarifa só entra em vigor a partir do dia 6 de agosto, acredito que no final deverá ser reduzida para algo entre os 10-30%. Porém, em termos de oferta x demanda mundial deverá ocorrer uma alteração na importação americana, reduzindo a importação do café arábica e aumentando / compensando com importação do café robusta. Como o Brasil representa 30% do abastecimento do consumo americano, com aproximadamente 7,5 milhões de sacas do café arábica, então, creio que parte desse volume, 60-70%, deverá continuar sendo com arábica e o saldo com o robusta mais barato. Sobre a taxação, vejo pouco impacto disso nos preços, pois a grande dúvida no mercado continua sendo o tamanho da safra brasileira recém colhida no café arábica. Se essa quebra na safra realmente ocorrer, então poderemos ver novamente NY voltando a negociar acima dos 350/400 centavos de dólar por libra-peso.”
Fernando Maximiliano, analista de café da StoneX
“É uma situação delicada, mercado hoje está com ganhos refletindo um pouco essa decisão de manter a taxação sobre o café, mas a gente sabe da conexão forte que o Brasil tem com os EUA. Do ponto de vista prático, é praticamente impossível substituir completamente o Brasil como fornecedor de café, uma vez que o nosso país produz algo em torno de 40 milhões de sacas de café arábica, enquanto a Colômbia produz cerca de 13 milhões de sacas. Os EUA não têm outro fornecedor com a nossa amplitude e disponibilidade. Essa taxação traz um grande desafio para o exportador brasileiro e para o produtor, pois isso atuaria de forma baixista para os preços no Brasil, em contrapartida, aumentaria os preços ao consumidor americano e para indústria americana. Porque para o mercado americano seria uma escassez de oferta. Por outro lado, o mercado brasileiro ficaria pressionado por esse café excedente, o que derrubaria os preços por aqui.”
Orlando Editore, head de café da Datagro
“A curto prazo, não teremos grande impacto sobre o mercado cafeeiro por conta da taxação. Estamos enfrentando um cenário de baixos estoques no mundo inteiro, e estamos em uma época do ano em que o principal exportador/fornecedor é o Brasil. Cerca de 8 milhões de sacas de café arábica daqui vão para os EUA, e não há país que possa ocupar isso, e nem a metade. Diante da nossa grande produção, não seria dificil buscarmos novos destinos, como a Ásia, que vêm aumentando o consumo. Porém, os EUA teriam que tapar a lacuna do Brasil, mas só o nosso país têm produto de sobra.”
Daniel Pinhata, analista de café da Datagro
“Atualmente os EUA representa cerca de 18,67% das exportações brasileiras, e 80% do café enviado para lá é arábica. Estamos passando por um período de sazonalidade negativa para os principais países produtores de árabica no mundo, o que torna a situação ainda mais dificil para que os americanos acharem um outro fornecedor. Por lá, eles passarão por um cenário de abastecimento crítico e o preço para o consumidor americano vai subir. Estimamos um aumento de até 20% do preço médio das importações americanas, mas isso ainda depende também do outro destino escolhido pelos EUA, e da tarifa imposta sobre esse país.”