Por Christian Camara
Em 2018, a BBC News Brasil realizou um levantamento sobre acidentes fatais em silos — um tipo de ocorrência de difícil mensuração por uma série de fatores. Na época, a matéria apontava 24 mortes no ano anterior à reportagem.
Considerando que os métodos de prevenção de acidentes e resgate em silos já são amplamente conhecidos, por que esses números continuam crescendo?
De acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), foram registradas 69 mortes em 2020, 89 em 2021 e 87 em 2022. Especialistas estimam que, em 2023, o número tenha ultrapassado 100 casos fatais. E sabemos que há subnotificação: como não existe um código específico para acidentes em silos no sistema oficial do governo, muitos casos sequer entram nas estatísticas.
O cenário é resultado da expansão acelerada da produção agrícola brasileira sem o mesmo avanço proporcional em infraestrutura, capacitação técnica e fiscalização. Com uma safra recorde prevista de quase 336 milhões de toneladas de grãos em 2024/2025, cresce o número de armazéns — e com ele, os riscos associados ao trabalho em espaços confinados, especialmente os silos de armazenamento de grãos.
Causas mais comuns dos acidentes em silos agrícolas
A maioria dessas mortes poderia ser evitada com medidas preventivas simples, uso correto de EPIs e treinamento especializado. Os acidentes mais letais incluem:
1.Soterramento por ponte de grãos (engolfamento)
Grãos úmidos ou deteriorados formam uma crosta que esconde uma cavidade oca. Ao caminhar sobre essa falsa superfície, o trabalhador afunda e é rapidamente soterrado por toneladas de grãos.
2.Queda lateral de grãos
Ao tentar soltar acúmulos presos nas paredes do silo, pode ocorrer uma avalanche de grãos, soterrando quem estiver na base.
3.Asfixia ou envenenamento por gases
A fermentação dos grãos libera gases tóxicos, como gás carbônico e ácido sulfídrico. A poeira em suspensão também pode provocar explosões em ambientes mal ventilados.
4.Sucção e engolfamento por ativação de maquinário
Quando o sistema de descarga é ligado com alguém ainda dentro do silo, a vítima pode ser tragada para o centro da massa de grãos.
Barreiras à prevenção
Além da subnotificação, há escassez de auditores fiscais e dificuldades logísticas para inspeção em áreas rurais, o que limita a atuação do poder público.
Do lado das empresas, há defasagem na capacitação profissional: muitos trabalhadores acessam silos sem conhecer os riscos de atmosferas explosivas ou sem utilizar técnicas de ancoragem seguras. Em alguns casos, trata-se de mão de obra informal, sem registro ou controle técnico de segurança.
Desconhecimento ou negligência?
A solução para essa “tragédia anunciada” passa por ações conjuntas:
●Análise de risco completa antes de qualquer entrada em silo;
●Treinamento específico para trabalho em espaços confinados;
●Equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados;
●Dispositivos de ancoragem compatíveis para prevenir quedas e facilitar resgates.
Falando em soluções para prevenção de quedas em silos, a combinação de dispositivos mais indicada é a inclusão de trilhos rígidos na parte interna da cobertura do silo, de forma que alcance toda a extensão do trabalho a ser realizado. O trabalhador deve ser ancorado com um trava-quedas deslizante com sua linha vertical.
Uma observação importante é evitar o uso de trava-quedas retrátil em casos de engolfamento — esse equipamento não é acionado, pois não há velocidade de queda para disparar o mecanismo de bloqueio.
Resgate em silos: tempo é vida
Segundo a NR-33 – Segurança e Saúde nos Trabalhos em Espaços Confinados, atualizada pela Portaria MTP 1.690/2022, o empregador deve garantir que todos os trabalhadores passem por curso específico de entrada e resgate em silos, com reciclagem a cada dois anos.
O tempo de resposta é crítico: por isso, cada silo deve ter equipamentos de içamento instalados, como o monopé para acesso e resgate, que permite retirar a vítima com segurança.
O crescimento da produção agrícola precisa vir acompanhado de um salto na cultura de segurança do trabalho. Não se trata apenas de cumprir normas — é sobre proteger vidas e garantir a sustentabilidade de um setor que sustenta boa parte da economia nacional.
Os acidentes em silos não são “acidentes” no sentido casual: são falhas previsíveis e evitáveis. Com planejamento, treinamento e os equipamentos corretos, eles podem deixar de fazer parte da realidade do campo brasileiro.